Era uma manhã como as outras. Wai deambulava pelo mercado numa ronda de inspecção. Era fiscal no mercado. Na certeza de que não havia conhecidos à volta, aproximou-se de uma banca de peixe e dirigiu-se ao dono:
— Tio Ha, o teu negócio não está nada mal hoje.
Parecia que a chegada do Wai era esperada. Com a habitual destreza, Ha matou um peixe corpulento, escamando-o e tirando-lhe as vísceras, antes de o pôr num saco plástico. Entregou-o ao fiscal, com um sorriso lisonjeiro:
— É modesto. Não é senão um sinal do meu respeito por si.
— Como posso aceitá-lo? Mas, não te incomodo mais, Tio Ha.
Sem cerimónia, Wai pegou sorridente no saco e foi-se embora.
Olhando para as costas de Wai, Ha abanou a cabeça e soltou um suspiro.
Logo, a dona de uma banca de carne, Kit, e o dono de outra de galinhas, Fat, receberam igualmente a visita do fiscal, que, sem pagar um tostão, levou vários sacos de alimentos frescos.
Esta cena repetiu-se durante vários anos. Wai, aproveitando-se das suas funções de fiscal no mercado, solicitava a oferta de peixe, carne, aves e outros alimentos aos donos de bancas no mercado, sem lhes pagar. E eles tinham que se resignar silenciosos, com receio de sofrerem represálias que os pudessem atingir.
Finalmente, os factos foram descobertos. O Comissariado contra a Corrupção teve conhecimento da situação no decorrer da investigação de um outro caso. De início, os donos de bancas do mercado mostraram-se hesitantes em pronunciar-se. Mas, mais tarde, alguns deles acabaram por denunciar os actos reprováveis de Wai, em resultado do esforço dos investigadores do CCAC. Numa operação-surpresa ao mercado, o pessoal do CCAC encontrou no posto do fiscal algumas das «ofertas» que Wai aceitou.
No julgamento do caso no Tribunal Judicial de Base, Wai foi condenado pelo crime de abuso de poder.
Ao proferir a decisão, o juiz apontou o facto de o réu, enquanto trabalhador da função pública, ter praticado infracções em benefício próprio, durante muito tempo, prejudicando a imagem da administração, o que constitui um crime grave. Tendo em conta que Wai já havia sido sancionado disciplinarmente com a pena de demissão, e no intuito de lhe dar uma oportunidade de se corrigir, não lhe era aplicada a pena de prisão, acrescentou. Wai foi condenado ao pagamento de uma multa de 35.000 patacas, convertível em 133 dias de prisão se esse pagamento não fosse feito. Foi dispensado do pagamento de indemnização aos prejudicados, por estes se terem abstido do exercício do direito da sua reclamação. O juiz recomendou-lhe ainda que aprendesse a lição e não repetisse o mesmo erro.
Quando os cidadãos tenham conhecimento de casos de abuso de poder em benefício particular cometidos por trabalhadores da função pública, devem participá-los corajosamente, para que os infractores sejam castigados nos termos da lei.
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Atribuir poderes aos funcionários públicos tem por objectivo um melhor desempenho na procura do interesse público. No entanto, aproveitar-se dos poderes ou das funções em benefício particular constitui infracção criminal, seja qual for o valor entretanto envolvido. Os funcionários públicos devem manter a sua integridade, sob pena de arruinarem por si próprios a sua carreira.