privacy-icon 11. O burlão

date-icon 20200617

Ieng veio para Macau trabalhar numa companhia de aviação. Era uma hospedeira contratada no exterior. A bonita rapariga adorava viajar. Como ia entrar de férias, planeava uma viagem à Europa, onde paira um ar de romantismo que sempre sonhara experimentar.

Confidenciou a sua ideia a Meng, um amigo funcionário público.

— É fácil. Fica descansada, que trato de tudo — ofereceu-se Meng.

— A sério? — Ieng ficou radiante.

— Claro.

Uma astúcia fugaz surgiu no olhar do amigo.

— Basta ter um visto emitido por um dos países da Comunidade Europeia. Conheço funcionários da embaixada de Portugal em Pequim e do consulado geral em Macau. Não há problema. Daqui a alguns dias vou a Pequim e aproveito a deslocação para te ajudar a tratar do visto. Só que... tens que entregar antes uma caução, de várias dezenas de milhares de patacas.

A ânsia pela viagem era tanta que Ieng entregou a Meng, sem hesitação, o dinheiro e o passaporte. Considerava o amigo merecedor de confiança, tanto mais que era funcionário público.

Passado algum tempo, sobre o visto para a Europa não havia qualquer notícia. Perante a insistência de Ieng, Meng comunicou-lhe o fracasso na obtenção do visto. Entretanto, propôs-lhe que se tentasse junto do consulado geral em Macau. Para tal, voltou a exigir à hospedeira a entrega de dinheiro para a taxa e a caução. Recebeu o montante, porque pela mente da Ieng nunca passou a ideia de poder estar a ser iludida.

Mais tarde, Ieng viu o seu desejo transformado em realidade. Obteve o visto. Regressada da Europa a Macau, perguntou a Meng quando poderia recuperar a caução, mas Meng respondeu-lhe sempre com evasivas.

O tempo voou. Num abrir e fechar de olhos, Ieng ia de novo ter férias. Meng voltou a usar o mesmo estratagema. Ofereceu-se para a ajudar a tratar do visto para o Japão. Conquistou mais uma vez o crédito da inocente rapariga.

Depois de vários pagamentos para a caução, Ieng ainda não tinha o visto, nem sequer qualquer informação. Queria recuperar a quantia paga, mas não sabia o que devia fazer. Falharam todas as tentativas de contacto com Meng, que parecia ter desaparecido. Finalmente, apercebeu-se de que fora enganada. Foi pedir ajuda ao Comissariado contra a Corrupção, levando as provas das quantias que tinha pago.

Recebida a participação, o pessoal do CCAC iniciou de imediato a investigação. A veracidade do que havia denunciado foi confirmada: entre 1999 e 2000, Meng burlou Ieng em mais de setenta mil patacas, usando como pretexto obter-lhe vistos turísticos. Por outro lado, o CCAC pediu informações ao consulado geral português em Macau, que veio a esclarecer que os cidadãos requerentes da emissão de visto só têm que pagar uma taxa, de montante bastante reduzido, não havendo lugar à entrega de qualquer caução.

Em Abril de 2002, o caso foi julgado pelo Tribunal Judicial de Base. Meng foi condenado, por crime de «burla de valor elevado», a um ano e nove meses de prisão. O Tribunal decidiu suspender a execução da referida pena durante dois anos, tendo em consideração que o réu tinha confessado os factos e pago uma indemnização a Ieng. Meng foi, de imediato, demitido da função pública.

Os infractores são sempre castigados pela lei.

* * *

Deve ser censurado o funcionário público que se aproprie de património dos cidadãos, por meio de burla, aproveitando-se da sua posição funcional. Trata-se de um acto prejudicial tanto aos interesses dos cidadãos como à imagem de integridade do funcionalismo público. Por seu turno, os cidadãos devem estar atentos, de modo a não dar margem de manobra aos infractores.
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