privacy-icon 10. Abuso de poder em proveito próprio

date-icon 20200617

Num dos dias das vésperas de um Ano Novo, apareceu um homem de meia idade e com ar apreensivo no 14º andar do Edifício Dynasty Plaza, no NAPE, onde está instalado o Comissariado contra a Corrupção. «Denuncio ou não? Terei que enfrentar os incómodos daí decorrentes? Será que com dinheiro tudo se resolve? O CCAC merece confiança?» Eram questões que preocupavam o visitante, de nome Cheong.

— Bom dia! Em que o podemos ajudar?

— Ah… Bom dia! Queria… quero... apresentar uma denúncia...

Finalmente ganhou coragem de pronunciar a palavra «denúncia». Foi conduzido pela funcionária à Sala de Denúncias, onde logo a seguir chegou um investigador. Este apercebeu-se da inquietude do denunciante e começou por cavaquear com ele. A perplexidade do visitante não era difícil de entender: pretendia denunciar um funcionário público corrupto, de um serviço de obras públicas, mas temia represálias. Apercebendo-se disso, o investigador procurou persuadi-lo. Deu-lhe a conhecer um conjunto de medidas protectoras dos direitos e interesses dos denunciantes. Cheong, já livre de aflições, decidiu revelar o que sabia.

Uma loja, de que Cheong era proprietário, situada na Avenida de Almeida Ribeiro, sofrera umas obras de remodelação interna nos últimos dias. As obras, ainda que pequenas, foram apontadas como ilegais por um funcionário público jovem que apareceu na loja e que disse ser responsável pela fiscalização de obras. Ele declarou que as decorações tinham que ser removidas. Contudo, sugeriu uma alternativa: alguns milhares de patacas em troca da dispensa da tal obrigação. Combinou com Cheong que vinha à loja buscar o dinheiro às 6:00h da tarde desse dia.

Recebida a denúncia, o CCAC iniciou imediatamente as diligências para uma vigilância apertada nas proximidades da loja. Cerca das 6:00h da tarde, Cheong recebeu uma chamada telefónica do funcionário público, em que este exigiu a mudança do local de entrega do dinheiro para o átrio de um hotel na Rua das Lorchas. Para a astúcia do corrupto, que era de esperar, o pessoal do CCAC estava já preparado. Transferiu-se para o hotel e imediações para se dispor de novo.

Por volta das 7:00h, dois homens de meia idade chegaram à entrada do hotel. Deambularam um pouco fora do hotel detendo-se, depois, à porta, como se estivessem à espera de alguém. A seguir, um dos dois, o que exigiu o pagamento a Cheong, entrou no hotel, enquanto o outro permaneceu fora, de vigia. Dentro do hotel, o primeiro perguntou a Cheong se trouxera o dinheiro. Reiterou ao denunciante a promessa de que, com o pagamento, tudo ficaria resolvido. Conforme o planeado, Cheong entregou uns milhares de patacas. Quando o funcionário público metia as notas ao bolso, apareceram-lhe pela frente dois investigadores, que mostraram a sua identificação e o prenderam. O outro, que estava de vigia, foi igualmente preso pelos investigadores dispostos fora do hotel.

No dia seguinte, os dois arguidos foram conduzidos ao tribunal para serem julgados. O homem que vigiava no exterior do hotel foi absolvido por insuficiência de provas, mas o funcionário público que recebeu o dinheiro foi condenado pelo crime praticado.

Da recepção da denúncia à detenção e julgamento dos arguidos, passando por todas as diligências, tudo aconteceu em menos de 24 horas. A coragem do prejudicado em apresentar a denúncia foi compensada com um feliz Ano Novo.

* * *

A corrupção, quer activa quer passiva, é crime. Os cidadãos devem denunciar, sem demora, os funcionários públicos que lhes solicitem oferta de vantagens. Só assim podem ficar verdadeiramente descansados.

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