«O suspeito foi apanhado por um guarda que estava de folga», ou «um guarda, que mora ali perto, apercebeu-se de que estava a decorrer uma assalto e ligou imediatamente para a polícia...». Eram notícias locais sobre casos criminais que tocavam muito Tony, que costuma ler jornais. «Merecem respeito esses agentes judiciais que, embora estivessem de folga, prestavam apoio no combate a casos criminais», acha.
Há poucos dias, frequentou o Programa de Formação Essencial para os Trabalhadores da Função Pública. Na palestra sobre o «Espírito de Incorruptibilidade», integrada no programa, o orador enviado pelo Comissariado contra a Corrupção salientou, citando o art. 225.º do Código de Processo Penal, que a denúncia é obrigatória para qualquer agente policial quanto a todos os crimes de que tomar conhecimento, ainda que os agentes do crime não sejam conhecidos. Foi então que Tony começou a compreender que os agentes policiais que estejam de folga ou de férias colaboram na mesma no combate aos criminosos e na defesa da vida e do património dos cidadãos.
Mas, para um funcionário público de funções civis e não um agente policial, como é o caso de Tony, é obrigatória a denúncia de todos os crimes de que tomar conhecimento? Foi por essa dúvida que Tony levantou a mão para interrogar o orador.
— Os funcionários são obrigados a denunciar crimes de que tomem conhecimento no exercício das suas funções e por causa delas — respondeu o orador. — Mas repare que aqui se fala de «crimes de que tomarem conhecimento no exercício das suas funções e por causa delas», e não de «todos os crimes de que tomarem conhecimento». É o que distingue os funcionários públicos dos agentes policiais.
— Mas — continuou Tony — caso eu tenha descoberto crimes praticados pelos colegas ou cidadãos normais e finja não ter conhecimento, é uma infracção? E quais os resultados?
— É uma infracção disciplinar se a situação não for grave. Quando a não denúncia esteja associada à intenção de prejudicar ou beneficiar alguém, no âmbito de inquérito preliminar ou de processo judicial, é crime de prevaricação, nos termos do art. 333.º do Código Penal.
Já esclarecido, Tony ficou a perceber que cada funcionário público no exercício de funções está a representar a Administração Pública e, sendo assim, como pode ele fechar os olhos aos actos de crime ocorridos ao seu lado, especialmente os praticados pelos colegas? Se o fizer, como se pode assegurar a legalidade, a justiça e a imparcialidade da administração pública? Antes, por não compreender bem a «denúncia obrigatória», Tony preferia não se meter em coisas alheias, para não prejudicar o relacionamento com os colegas. E agora, estava ciente de que era uma ideia incorrecta.
— Creio que muitos funcionários públicos não sabem da legislação respeitante a essa matéria. «Os ignorantes não têm culpa»...!, acrescentou Tony.
O orador abanou a cabeça.
— Os funcionários públicos devem conhecer as normas legais relacionadas com as funções que desempenham. E não devem alegar, como pretexto, que «os ignorantes não têm culpa». Se não, é violado o «dever de zelo», estabelecido no Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, que obriga os funcionários públicos a «designadamente conhecer as normas legais e regulamentares»!
Tony ficou esclarecido.
* * *
O dever de denúncia imposto aos trabalhadores da função pública tem em vista o interesse público. Tendo em consideração que os trabalhadores da função pública são representantes da administração pública, a lei determina que são obrigados a denunciar qualquer crime de que tomem conhecimento no exercício das sua funções ou por causa delas. Quanto aos agentes policiais, estes são obrigados a denunciar todos os crimes de que tomem conhecimento. Isto, para evitar que a honestidade e a idoneidade da administração pública sejam gravemente prejudicadas.