Um dia, Ieong, funcionário de uma instituição pública, entregou uma declaração ao serviço onde trabalhava.
— Minha mulher é dona de casa e por isso tenho direito ao subsídio de família — disse Ieong a Feng, a colega responsável por este assunto. — Preenchi o requerimento e declarei que minha mulher não tem rendimentos. Não sei se pode ser assim ou não?
Feng leu atentamente os documentos entregues por Ieong.
— Conforme as instruções dadas pelo superior hierárquico, deves apresentar um documento assinado por um colega de categoria igual ou superior à tua, comprovativo da situação económica da tua mulher.
— Mas... — Ieong ficou embaraçado — como podem os outros colegas saber se a minha mulher não tem rendimentos, um assunto tão privado? Já para não falar de assinarem uma declaração provando que ela não tem emprego.
— Mas é o estipulado pelo Decreto-Lei n.º 42/83/M. Estamos apenas a actuar nos termos da lei.
À vista não havia nenhuma solução. Ieong resolveu pedir informações ao Comissariado contra a Corrupção, na esperança de poder ter alguma ideia.
Analisado o caso, o CCAC concluiu que o que o serviço exigiu a Ieong foi injusto. O art. 209.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, diploma em vigor desde 1989, não determina a apresentação de nenhuma declaração, assinada por um colega, ao trabalhador que pretenda requerer a atribuição do subsídio de família. Se bem que esse artigo se revele relativamente exigente no que respeita aos documentos comprovativos da identidade, determina no seu n.º 3 que «as restantes provas fazem-se mediante declaração do trabalhador». Ou seja, não tinham força vinculativa as normas estabelecidas pelo serviço de Ieong relativas à obrigação de «apresentar um documento comprovativo assinado por um colega de categoria igual ou superior».
Por isso, o serviço não podia impor esta condição. Devia, em princípio, era aceitar a declaração apresentada por Ieong. Entretanto, caso entendesse necessário, o serviço podia solicitar ao interessado a apresentação de outros documentos complementares que comprovassem a sua situação económica, como Certidão de Inexistência de Rendimentos emitida pela Direcção dos Serviços de Finanças ou de Registo de Desemprego emitida pela Direcção dos Serviços de Trabalho e Emprego.
O CCAC explicou ao serviço a que Ieong pertencia que as normas legais entretanto citadas não tinham força vinculativa, exigindo-se um novo tratamento do requerimento em causa. Mas tarde, chegou ao CCAC uma resposta positiva deste serviço: Ieong podia receber o subsídio de família em razão da situação económica da sua mulher.
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Legislar de novo sobre a mesma matéria decorre da necessidade de efectuar ajustamentos a um regime que já se encontra desadequado, imperfeito ou obsoleto. E, em termos de aplicação, o novo diploma prevalece sobre o antigo. Neste sentido, os serviços devem atender ao período de vigência das leis, verificando se as normas a aplicar foram revogadas, expressa ou implicitamente, por novas, de modo a evitar que nos casos concretos os direitos e interesses das pessoas envolvidas sejam prejudicados pela aplicação de normas já revogadas.