privacy-icon 14. Intervenção informal

date-icon 20200617

«Será que os estabelecimentos de ensino superior podem alterar, à sua vontade, a duração de um curso ministrado, sem seguir o programa aprovado pelo Governo?» Foi esta a pergunta colocada, há meses, ao Comissariado contra a Corrupção, por um cidadão. Disse ele:

— Desejo apurar se essa prática constitui uma ilegalidade administrativa.

— De onde lhe veio essa ideia? Pode adiantar mais pormenores? — insistiu o pessoal do CCAC.

— Pretendi inscrever-me num curso complementar ministrado por um estabelecimento de ensino superior. Mas descobri uma coisa. Estava referido na coluna «Programa do curso e critérios de selecção» dos boletins de inscrição distribuídos que «o curso tem a duração de 3 semestres», o que era diferente do oficialmente aprovado e constante de um anúncio publicado no jornal, que dizia «o curso tem a duração de um ano lectivo (2 semestres)».

— É verdade? Bem. Vamos tentar saber um pouco mais da situação. E muito obrigado!

As informações que o pessoal da Direcção dos Serviços de Provedoria de Justiça do CCAC obteve confirmaram aquilo que o queixoso dissera e que lhe causara insatisfação.

No entanto, o pessoal do CCAC teria que considerar mais um factor. «Se bem que a veracidade do facto denunciado estivesse confirmada, instruir um processo para resolver o caso poderia resultar numa situação menos desejável: o problema só estaria resolvido depois de terminado o prazo de inscrições. Isto deixaria indecisos o queixoso ou outros interessados em inscrever-se no curso. Ou, poderia significar que eles já teriam ficado prejudicados.»

As queixas recebidas são tratadas com flexibilidade pela DSPJ, que recorre a meios variáveis, incluindo instrução de processo, remessa de processo, intervenção informal e não instrução de processo, de acordo com a situação concreta de cada caso. Seja qual for o meio adoptado, o objectivo é procurar salvaguardar os direitos e interesses legítimos dos cidadãos. Por isso, é natural que sejam tidos em consideração todos os factores importantes, incluindo o tempo, que podem afectar os cidadãos. Pelo contrário, optar pela instrução do processo como primeiro recurso no tratamento do caso não fornece necessariamente garantia de maior brevidade em minimizar os problemas das pessoas envolvidas.

Ponderados os prós e as contras, o pessoal do CCAC responsável pelo tratamento da participação atrás referida decidiu-se pela «intervenção informal». Para não prejudicar a inscrição dos alunos naquele curso, o CCAC contactou com o estabelecimento de ensino superior em causa, pondo-o a par do problema. Isto aconteceu antes de estarem decorridos dois dias desde a recepção da participação. Afinal, a ideia do estabelecimento, de aumentar a duração do curso de 2 para 3 semestres, partira do seguinte pressuposto: se os alunos tivessem muitas horas de aulas por dia, só podiam voltar para casa altas horas da noite. Embora o ponto de partida tenha sido maior conveniência para os alunos, as alterações do programa não foram sujeitas às formalidade legais. Como resultado, a boa fé foi contraproducente. Os alunos, em vez de serem beneficiados, ficaram sem saber por onde ir. Até poderiam ver os seus interesses prejudicados, tendo em conta que o novo programa não tinha sido legalmente aprovado.

Face à «intervenção informal» do CCAC, a resposta do estabelecimento de ensino superior foi rápida. No dia seguinte, reconheceu ao CCAC que o «Programa do curso e critérios de selecção» e o prolongamento do curso para 3 semestres não haviam sido sujeitos a aprovação e que devia, por isso, assumir a responsabilidade. Regularizou a situação imediatamente, mantendo o curso com a duração de um ano lectivo (2 semestres). Prometeu, ao mesmo tempo, que iria tomar medidas para prevenir a ocorrência de situações similares.

Como se vê, com a atitude colaborante do estabelecimento de ensino superior, o problema acabou por ser resolvido, em apenas um dia. Quem beneficiou das correcções rápidas foram o participante e outros cidadãos. Pode afirmar-se que, no tratamento de casos relativamente simples, a «intervenção informal» pode ser mais eficaz!

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Na aplicação da lei, as instituições públicas podem detectar, ocasionalmente, elementos que não são perfeitos ou realistas. E às vezes tomam a iniciava de fazer ajustamentos no âmbito permitido pela lei, tendo por objectivo maior conveniência do público. Iniciativa que pode ser boa. No entanto, quando se trate de ajustamentos não permitidos pela lei, devem sugerir ou promover a revisão da lei, em vez de agir sem autorização. Caso contrário, podem ser afectados a validade dos respectivos actos e os direitos e interesses legítimos dos cidadãos.
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