privacy-icon 9. Chuva de «murros»

date-icon 20200617

Desta vez, o «Fórum Anti-Corrupção» vem contar o caso de um funcionário público punido por ter cometido um crime, caso que foi descoberto pelo Comissariado contra a Corrupção.

Tudo começou num dia de 1999, à tarde, quando Fai conduzia uma motorizada a toda a velocidade. Ao ultrapassar um carro particular, por descuido embateu no seu retrovisor e destruíu-o. Não parou. Abandonou, acelerando, o local do acidente.

Mas Pou, o condutor do carro que sofreu danos, não se conformou. Conseguiu apanhar o ciclomotor culpado quando este se deteve no vermelho de um semáforo. Desceu do seu veículo, interceptou Fai e agrediu-o com socos e pontapés.

Fai, aterrorizado e desconcertado, caíu no chão juntamente com a motorizada. A chuva de murros continuou, acompanhada de injúrias que censuravam Fai pela tentativa de se furtar à responsabilidade do que acontecera. Além disso, o agressor disse ser um agente da polícia de intervenção táctica, que estava de folga. Fai, ciente de não ter razão, reconheceu a culpa. Prometeu pagar 2.000 patacas como indemnização pelos danos causados no retrovisor. E ligou de imediato à mãe, comerciante, para que viesse fazer o pagamento.

Todavia, até à chegada da mãe de Fai, as ofensas corporais não pararam. Fai sofreu lesões graves. Houve entretanto tentativas de dissuasão por parte de alguns cidadãos simpáticos, que foram afastados por Pou. Por duas vezes chegaram ao local agentes da polícia de trânsito, logo que foram informados da situação. Veio mesmo uma ambulância. Foram igualmente mandados embora por Pou. Insinuando ser agente de autoridade, disse que estava apenas a tratar «de um assunto privado» e que não precisava da ajuda de colegas ou de quem quer que fosse.

Chegou à pressa a mãe de Fai na companhia de um amigo. Ao ver o filho deitado no chão e em estado de coma, a mãe foi simultaneamente invadida pela dor e pela indignação. Chamou uma ambulância, que transportou Fai ao hospital. O diagnóstico feito na urgência do hospital indicava que o ferido estava muito mal e teria que ficar internado depois de ser sujeito a uma intervenção cirúrgica.

Parece que Pou se apercebeu da gravidade da situação. Chamou a polícia, declarando que sofrera resistência à detenção e fora agredido e ferido, exigindo ser levado ao hospital. O comissariado policial mandou, de imediato, pessoal ao hospital e exigiu que Fai fosse ao comissariado prestar declarações. Foi recusado, dada a situação crítica em que se encontrava o «suspeito». O comissariado resolveu então destacar agentes para o vigiar 24 sobre 24 horas.

Por seu turno, a mãe de Fai achou que havia factos deturpados e verdades encobertas, por má fé. Para ela, houve quem tivesse prestado declarações e depoimentos falsos. Decidiu apresentar queixa ao Comissariado contra a Corrupção.

O CCAC iniciou imediatamente a investigação. Com base nas provas recolhidas e declarações das testemunhas, apurou que Pou infligiu ilegal e abusivamente ofensas corporais a Fai. O caso foi remetido ao Ministério Público, que veio a interpor um processo judicial contra o agente da polícia. O Tribunal Judicial de Base proferiu a decisão em finais de Julho de 2002. Fai, que se pôs em fuga após o acidente, violando o Código da Estrada, foi condenado à pena de 2 meses de prisão, com a execução da pena suspensa por um ano, bem como ao pagamento de 2.000 patacas a Pou. E este foi condenado à pena de 7 meses de prisão, pela prática de um crime de ofensas à integridade física, com a execução da pena suspensa por 2 anos, bem como ao pagamento de 17.000 patacas de indemnização a Fai.

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Na solução de uma disputa, seja ela qual for, não se deve recorrer à força. Neste sentido, agentes policiais devem dar o exemplo. Devem não só conhecer a lei mas também cumpri-la. Práticas de abuso de poder são sempre referenciadas no registo criminal e podem arruinar a carreira profissional. Converter-se num prisioneiro não é nada agradável para um agente de autoridade. Por isso, não se deve agir movido por ânimos exaltados, sob pena de se arrepender mais tarde.
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