privacy-icon 4. O infractor intencional merece castigo

date-icon 20200612

No início de Julho de 2001, o Tribunal Judicial de Base julgou um caso de corrupção passiva encaminhado pelo Comissariado contra a Corrupção. O arguido envolvido, que exercia funções na área jurídica de um serviço público, abusou dos seus poderes, ao solicitar a oferta de dinheiro, no decurso da instrução de um processo disciplinar, de que era instrutor. Foi-lhe aplicada uma pena, por crime de corrupção passiva, nos termos da lei, que conhecia plenamente e que, porém, violou.

Tudo começou em Setembro de 2000. A-Long, funcionário público, violou o estatuto disciplinar ao entrar num casino para jogar. O colega dele, A-Fu, que estava de serviço no local, não o impediu nem comunicou o caso superiormente. O superior hierárquico dos dois instaurou-lhes um processo disciplinar, logo que teve conhecimento do caso. Dick, enquanto jurista, foi nomeado instrutor.

Acontece que Dick nunca convocou A-Long e A-Fu para prestarem declarações, com o intuito de apurar os factos que deram origem ao processo disciplinar. Como instrutor, teve encontros com os dois em que declarou, repetidamente, a sua disponibilidade para lhes diminuir a pena a aplicar, desde que eles «soubessem agir» – isto é, pagar uma quantia.

O que interessava a Dick era dinheiro e disse que se os dois funcionários lhe dessem setenta mil patacas, teriam as sanções significativamente reduzidas. A-Long, que infringiu a disciplina ao ter entrado para jogar no casino, seria suspenso do exercício de funções por um mês, em vez de vários meses. A sanção a aplicar a A-Hu, que negligenciou as suas funções e não denunciou o colega, passaria da suspensão do exercício de funções ao pagamento de uma multa. E os dois correriam o risco de enfrentar sanções mais graves se não oferecessem dinheiro ao instrutor.

Regateada a quantia, Dick combinou com A-Long a entrega do dinheiro no seu gabinete. Concordou em aceitar primeiro uma parte da quantia, sendo a restante liquidada no fim do processo disciplinar. No entanto, no momento em que estava a receber as quinze mil patacas, apareceu-lhe pela frente o pessoal do CCAC, que estava emboscado ali perto, há muito tempo. Em cima da secretária de Dick foram encontradas as notas previamente marcadas.

No julgamento, e perante as provas obtidas, o juiz criticou fortemente este acto de corrupção, praticado pelo arguido, enquanto funcionário público. Adiantou que o arguido sabia perfeitamente que o seu acto consistia em aproveitar-se do seu poder funcional para a obtenção de benefícios ilegais, violando os deveres do cargo. O arguido foi condenado à pena de 1 ano de prisão*, com a execução suspensa por 2 anos, bem como ao pagamento de uma multa de cinco mil patacas.

Apesar de conhecedor da lei, o arguido atropelou-a flagrantemente e acabou por ser apanhado nas malhas de justiça.

*N.º 1 do Artigo 337.º (Corrupção passiva para acto ilícito) do Código Penal: O funcionário que, por si ou por interposta pessoa com o seu consentimento ou ratificação, solicitar ou aceitar, para si ou para terceiro, sem que lhe seja devida, vantagem patrimonial ou não patrimonial, ou a sua promessa, como contrapartida de acto ou de omissão contrários aos deveres do cargo, é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos.

* * *

Os cidadãos devem denunciar, o mais cedo possível, os funcionários públicos que lhes peçam ofertas. E não devem aceitar solicitações deste género, sob pena de incorrerem em infracção. Podem, se for possível, colaborar com o Comissariado contra a Corrupção. O artigo 7.º da Lei Orgânica do CCAC prevê que os cidadãos podem, com a autorização do Comissário contra a Corrupção, aceitar instrumentalmente solicitações de benefícios de funcionários públicos no sentido de auxiliar o CCAC a recolher provas e a expulsar as ovelhas negras da função pública. É a generalidade da população quem beneficia de uma sociedade justa e imparcial.
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