Há vários anos atrás, a Srª Ka e duas filhas menores vieram do Norte da China para viver em Macau. Desde então, moravam as três num apartamento de 400 pés quadrados, na Areia Preta, que pertencia a uma prima da Srª Ka. Viver abrigado sob tecto alheio é sempre algo desconsolador. A Srª Ka sonhava com um «ninho confortável» seu, com o que as três, especialmente as duas miúdas, teriam uma vida mais estável. Motivada por esta aspiração, a mãe trabalhava com diligência e economizava na roupa e nos alimentos. Com as modestas economias acumuladas, acrescidas de empréstimos de familiares e amigos, apresentou uma candidatura à compra de habitação económica.
A Srª Ka entregou o boletim de inscrição. Mas, o tempo de espera pela aprovação parecia-lhe infinito. Inquieta, dirigiu-se ao serviço público competente para pedir informações. Ficou a saber que, na lista de concurso à compra de habitações económicas, estava classificada num lugar aquém de outros 2500 concorrentes. O facto deixou-a abatida. Quando abandonava o local, o desânimo que transparecia da sua expressão foi notado por um funcionário do serviço. O homem, de nome Lau, como se apresentou, deixou à Srª Ka um número de telefone. Disse-lhe que ela poderia contactá-lo mais tarde, afirmando que era capaz de ajudar a resolver o problema. Para a Srª Ka, quem estava à sua frente não era nada mais do que um homem nobre e prestável. A ideia entusiasmou a senhora, mas também lhe retirou a cautela contra burlas. Regressada a casa, a Srª Ka pegou imediatamente no telefone e ligou para Lau. Do outro lado a voz anunciou que seriam feitas diligências para que ela se tornasse concorrente prioritária na aquisição de habitação. Depois, combinaram encontrar-se nesse mesmo dia, às 3:00h da tarde, no 2.¼ piso de um restaurante de refeições rápidas, na Rua do Campo.
A Srª Ka chegou ao local à hora combinada. Lau revelou que tinha nas mãos uma habitação de três quartos e uma sala. Prometeu ajudar a senhora a comprá-lo facilmente, desde que lhe fossem pagas vinte e cinco mil patacas de gratificação. O funcionário acrescentou que a maior parte dessa quantia seria oferecida ao superior hierárquico, que não era chinês. Apesar de saber perfeitamente que se tratava de um acto de solicitação de oferta de interesses, a Srª Ka não pôde resistir à sua ansiedade de possuir uma habitação própria. Por outro lado, ao fim de tantos anos no território, casos de oferta de dinheiro em troca de facilidades já não eram novidade para ela. «Era talvez uma prática convencional...», especulou. Finalmente, com as vinte e cinco mil patacas emprestadas pela prima, fez dois pagamentos a Lau, no mesmo restaurante.
Depois de receber o dinheiro, Lau falou de outras habitações económicas do Governo, localizadas nas Portas do Cerco, Fai Chi Kei e outros bairros. Segundo o homem, os amigos da Srª Ka também poderiam adquiri-las sob a mesma condição. Posteriormente, a Srª Ka apresentou a Lau um dos seus amigos igualmente aborrecido com a questão da habitação. Este último, de nome Cheong, pagou a Lau a quantia de vinte e cinco mil patacas, na expectativa de ser favorecido no concurso à compra de habitações económicas. Até então, Cheong nunca apresentara qualquer ficha de inscrição. Pelo que, feito o pagamento, Lau ofereceu-se para lhe preencher a ficha e garantiu que as diligências necessárias seriam feitas. Aconteceu, porém, que a ficha preenchida na presença de Cheong foi mais tarde destruída por Lau.
Na investigação deste caso de corrupção relacionada com habitações económicas, o Comissariado contra a Corrupção consultou um grande volume de documentação e empreendeu várias acções de busca. Foi descoberto que a Srª Ka e Cheong não foram os únicos que, através da oferta de subornos a Lau, procuraram obter melhores posições na lista de ordenação de candidatos à compra de habitações económicas.
O funcionário público envolvido nesta caso exercia funções relacionadas com a ordenação dos concorrentes, funções de que se aproveitava para praticar actos de burla, ao afirmar ser capaz de posicionar melhor os candidatos à compra dessas habitações.
Na sequência da investigação, que se prolongou por vários meses, Lau foi detido pelo CCAC, que o acusou de crime de corrupção passiva e de burla. Sendo a acusação procedente, Lau foi condenado a quatro anos de prisão. A par disso, alguns concorrentes à compra de habitações económicas envolvidos neste caso foram acusados de crime de corrupção activa.
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Tanto a corrupção activa como a corrupção passiva são infracções. Há cidadãos que sabem perfeitamente isso mas que, estonteados pela ânsia de obter interesses imediatos, tomam o caminho errado. Foi o que aconteceu no caso de burla acima referido. A Srª Ka, que trabalhava com abnegação, não só perdeu todas as economias que acumulou, como ficou crivada de dívidas. Além disso, sugeriu a sua prática incorrecta ao amigo Cheong. Claro que aqui não podemos apenas censurar a imbecilidade dos lesados. O que mais preocupa é a aceitação das práticas condenáveis como convenções e a indulgência relativamente aos criminosos. Para inverter essas más tendências sociais e construir uma sociedade incorrupta, o CCAC tem que reforçar as acções de divulgação e sensibilização e os cidadãos devem denunciar corajosamente os casos de corrupção.